Não é de hoje que os fabricantes de veículos automotores reclamam do impacto da carga tributária sobre os preços dos automóveis, contudo vivenciamos um evento histórico quando o Governo utilizou a redução de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para fomentar as vendas de carros e tentar impedir a estagnação da economia perante a Crise Internacional. Uma medida tomada para manter o dinheiro circulando (mesmo que em menor grau) e diminuir os efeitos da crise sobre o setor automotivo. Particularmente, não me lembro de ter visto algo semelhante, ou seja, redução de impostos com repasse direto ao consumidor, mesmo que temporariamente. Ocorre que a receita funcionou e foi estendida aos fabricantes da Linha Branca (Eletrodomésticos e Eletro-eletrônicos).
Mais recentemente, no dia 30 de Outubro de 2009, o Ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou a renovação da redução do imposto com a criação do IPI Verde para eletrodomésticos da linha branca com baixo consumo de energia. Trata-se de uma reivindicação antiga dos ambientalista, sendo portanto a primeira medida tributária adotada pelo Ministério da Fazenda com viés ambiental, porém ocorrendo bem no momento que o meio ambiente ganhou peso no debate eleitoral.
A redução do imposto estava prevista para terminar em Outubro deste ano, contudo juntamente com a decisão de prorrogar o estímulo, veio a questão de favorecer os produtos mais eficientes. Esta prorrogação irá vigorar até 31 de Janeiro de 2010 e será proporcional ao consumo de energia dos aparelhos segundo a classificação descrita nas etiquetas dentro dos critérios do PBE (Programa Brasileiro de Etiquetagem), criado na década de 80 e em vigor.
Por exemplo:
“No caso das geladeiras, os produtos que possuem o selo A, que atesta menor gasto de eletricidade, continuarão com o benefício que vigorou nos últimos seis meses - quando a alíquota foi reduzida de 15% para 5%. As com selo B terão 10%. Os refrigeradores com selos C, D e E voltarão a ter 15%. As máquinas de lavar roupa, cujo IPI havia caído de 20% para 10%, continuarão com a alíquota menor nos casos de equipamentos com selo A. As de selo B pagarão 15%, e as demais voltarão a recolher 20% de IPI.
Os tanquinhos de lavar roupa continuarão com alíquota zero para equipamentos com selo A, passando para 5% no selo B e retornando a cobrança integral, de 10%, para os demais produtos. Os fogões perderão a isenção total de IPI. Pelo novo critério, os equipamentos com maior consumo de energia foram penalizados e não terão mais o incentivo tributário. Os aparelhos com selo A terão alíquota ligeiramente elevada, de zero para 2%, e com selo B pagará 3% As demais categorias de fogões voltam a ter alíquota plena, de 4%.”
Mantega, que era contrário à prorrogação do IPI, negou que a nova iniciativa tenha caráter eleitoral como meio de favorecer a candidatura de Dilma Rousseff (Ministra Chefe da Casa Civil). Segundo ele: “Qualquer medida será interpretada como eleitoral, mas eu, como ministro da Fazenda, tenho de pensar em crescimento e no bem-estar das pessoas.” Além disso, o ministro antecipou que outras medidas tributárias condicionadas à preservação do meio ambiente poderão ser anunciadas por ele: “Não se espantem se, no futuro, adotarmos outras medidas tributárias, não no IPI, vinculadas a compromissos ambientais.”
A verdade é que desde o anúncio de candidatura à Presidência da ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (PV-AC), o Governo começou a reforçar o discurso ambientalista e o “IPI verde” deve, com certeza, ser utilizado como publicidade e propaganda na reunião sobre clima da Organização das Nações Unidas (ONU), agendada para Dezembro em Copenhague (Dinamarca).
Até aqui somente falamos sobre o segmento de eletrodomésticos e eletro-eletônicos, porém o que o ramo automotivo pode esperar para o futuro? Será que o IPI Verde poderia ser aplicado aos automóveis?
Diferentemente da redução de IPI que começou na indústria automobilística e foi estendida à Linha Branca, o Programa Brasileiro de Etiquetagem está fazendo o caminho contrário, sendo que não é difícil de imaginar que futuramente o IPI Verde poderá ser anunciado para a compra de veículos.
Até lá temos um caminho a ser percorrido. Primeiramente a adesão ao PBE é voluntária, ou seja, as montadoras poderão escolher participar, ou não, do programa. Neste sentido, com o apoio da ANFAVEA e ABEIVA parece que a novidade chegará às ruas. Neste aspecto, os fabricantes nacionais e importadores que aderirem indicarão anualmente 50% dos modelos que comercializam no Brasil. O uso da etiqueta (por incrível que pareça) é opcional, porém deverá, uma vez aceita, deverá ser colada no pára-brisa e ali permanecer até o ato da venda do veículo.
O ponto-chave é a padronização dos testes que serão realizados pelo INMETRO segundo a Norma 7024 da ABNT, já existente, contudo pouco utilizada para efeitos de divulgação comercial de consumo por parte das montadoras. Desta forma, há uma maior confiabilidade dos resultados, pelo fato dos testes serem realizados por uma entidade independente (sem vínculo com as fabricantes e importadores), além da garantia dos veículos serem submetidos ao mesmo tipo ensaio.
Outra vantagem é que o cliente poderá comparar a eficiência dos automóveis de forma simples, pois o consumo será em Km/Litro e seguirá o padrão de classificação já utilizada atualmente para a Linha Branca, onde ela será de A a E, sendo A para o que possui menor consumo e E para aquele com o maior consumo. Sendo que somente produtos de uma mesma categoria e mesmo ano-modelo poderão ser comparados.
Por este motivo o Programa efetuou a seguinte divisão:
- Automóveis de passeio: subcompactos, compactos, médios e grandes;
- Demais automóveis: esportivos, fora-de-estrada, comerciais leves e comerciais derivados de carros de passeio.
Importante: veículos movidos a diesel não participarão do projeto e a etiquetagem somente estará valendo para produtos equipados com motores de ciclo Otto (movidos a gasolina, álcool, flex ou GNV).
Da mesma forma como ocorrido com os itens da Linha Branca, espera-se uma preocupação muito maior dos fabricantes com o aperfeiçoamento de seus produtos com relação ao consumo de combustível, visto que o projeto tem tudo para ganhar a simpatia e aceitação dos consumidores que tenderão a buscar veículos que consomem menos, mais econômicos e menos poluentes. Por este motivo, a etiquetagem passará a representar um importante argumento de venda e diferencial competitivo entre as empresas, de modo que a não adesão ao programa poderá impactar negativamente na imagem destas organizações.
Atualmente, etiquetas indicativas do nível de emissão de CO2 estão em vigor no mercado europeu e tudo indica que este poderá vir a ser o próximo passo a ser implementado.
Vale ressaltar que a etiquetagem veicular não é algo inédito no mundo, sendo esse processo originou-se nos EUA (vejam só), onde a adesão é compulsória por parte dos fabricantes e o critério é o consumo/peso. Depois vieram Canadá em 1976, Austrália em 1983, Japão e União Européia em 1998 (sendo que a Europa é a única a usar emissões, ao invés de consumo), China e Cingapura vieram em 2005 e o Brasil iniciou em 2008.
Como forma de fomentar a redução de consumo e emissão de poluentes o projeto brasileiro tem grandes chances de sucesso, visto que a maior fatia do mercado consumidor nacional busca por veículos econômicos.
Entretanto, não podemos negar que a motorização a combustão é, além de poluente, altamente ineficiente. Apesar do aumento do conforto e dos avanços em tecnologia por parte da eletrônica inserida nos novos modelos, não se tem visto uma grande evolução quando a questão é a eficiência do consumo de combustível.
O ambientalista e cientista chefe fundador da ONG Rocky Mountain Institute, Amory Lovins é reconhecido como um dos gurus da Eficiência Energética da atualidade. Segundo ele, baseado em um estudo considerando-se um carro médio nos EUA, cerca de 87% da energia do combustível nem chega às rodas do veículo, sendo perdida em:
- perdas do motor à combustão interna;
- transmissão mecânica;
- paradas do veículo;
- acessórios (ar condicionado, por exemplo).
Dos 13% que chegam às rodas, metade é perdida na resistência do ar e no atrito dos pneus.
Portanto, apenas 6,5% de toda a energia do combustível realmente move o veículo. Porém, como os carros lá costumam ser pesados demais, a energia acaba sendo usada para movimentar o automóvel e não o passageiro. Assim, chega-se à conclusão final:
Considerando-se apenas um passageiro no carro, somente 0,3% da energia do combustível é usada para mover essa pessoa. É como se, de cada R$ 100,00 que colocamos de combustível apenas R$ 0,30 fosse usado para aquilo que desejamos, ou seja, nos locomovermos. Inacreditável. O produto de uma das maiores indústrias do mundo tem uma eficiência de 0,3%.
Com toda essa discussão mundial sobre eficiência energética, aquecimento global, políticas de redução de emissões e tantas outras questões ambientais provocando mudanças comportamentais nunca vistas antes, não é difícil de imaginar que no futuro teremos meios de locomoção muito diferentes dos que temos disponíveis atualmente.
Enquanto essa realidade não chega, o Programa Brasileiro de Etiquetagem aplicado aos veículos automotores pode ser considerado um importante passo no sentido de termos carros mais econômicos e menos poluentes no mercado, aliado à uma maior transparência de informações ao consumidor, que está cada vez mais consciente ambientalmente. Contudo não se trata de uma medida ambiental, mas sim econômica, pois passa longe da principal tendência dos mercados mais desenvolvidos, onde a preocupação é informar ao consumidor os níveis de emissão de CO2 e outros gases poluentes. Resta agora saber se estes veículos mais eficientes também serão mais acessíveis. Neste sentido, a possibilidade de termos o IPI Verde sendo estendido à indústria automobilística pode viabilizar e favorecer o acesso.
Por outro lado, carros mais eficientes consumirão menos combustíveis e conseqüentemente teríamos uma redução na venda deste produto proporcional à eficiência dos motores, o que talvez não seja interessante para o Governo diante das discussões sobre o Pré-sal. Este fato já não ocorre com os itens da Linha Branca, pois a redução no consumo de energia elétrica beneficia o Governo, visto que o resguarda de realizar maiores investimentos em novas fontes energéticas (inclusive este é um dos motivos pelos quais os carros elétricos demandarão mais tempo para ingressar definitivamente no país).
Questões eleitorais e eleitoreiras a parte, vale aguardar o que está por vir.
Por Rogério Câmara
Coordenador da Engenharia da Qualidade e Desenvolvimento de Produto
Professor de Graduação em Gestão da Qualidade e Administração da Produção
Consultor em Técnicas de Engenharia, Qualidade, Marketing e Meio Ambiente
Rogerio Camara Pereira | Contato